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Halloween que nada, aqui temos os encantados!


(Por Nonato Torres)

Enquanto as vitrines se enchem de abóboras laranjas, fantasmas de lençol e referências a filmes americanos, algo dentro de mim sussurra que estamos importando sombras e ignorando as assombrações reais que habitam o solo sob nossos pés. Que Halloween é esse? Aqui, a noite não é dos monstros de plástico. Ela pertence aos Encantados.

Nossa floresta não é cenário. Ela é viva, é consciente, é habitada. E os nossos "monstros" não vieram para nos assustar sem motivo. Eles são a própria alma do lugar, os guardiões ancestrais de um pacto que fizemos – ou que quebramos – com a natureza.

Pensem no Curupira. Enquanto o monstro de um filme estrangeiro persegue adolescentes por pura maldade, o Curupira, com seus pés virados para trás, não é um vilão. Ele é o justiceiro. Ele persegue e confunde quem ousa machucar a mãe floresta. Ele não quer o nosso sangue; quer o nosso respeito. É a ecologia em forma de lenda, um lembrete de que a ganância tem consequências.

E a Matinta Pereira? Ah, a velha senhora de vestido preto que assobia na madrugada. Ela não é um "fantasma" qualquer. Ela é um presságio, uma presença que tece o fio entre o mundo visível e o invisível. A quem ela visita? Por quê? Sua aparição é um convite para olharmos para os nossos vizinhos, para as histórias não contadas, para o tecido social que muitas vezes ignoramos. Ela é a memória viva da comunidade.

Não podemos esquecer da Iara. Enquanto a sereia europeia atrai marinheiros para a perdição por capricho, a Mãe d'Água brasileira é um ser de uma beleza perigosa e uma tristeza profunda. Ela é a força sedutora e traiçoeira dos rios, que dão a vida e podem tirá-la num instante. Ela personifica o respeito que devemos ter por essas veias líquidas que cortam nosso país.

E o Mapinguari, esse sim, é o nosso "monstro" colossal. Uma criatura tão grandiosa e temível quanto qualquer pé-grande ou yeti, mas com um detalhe crucial: ele é o guardião das ervas e dos segredos medicinais da mata. Caçá-lo é impossível, sua pele é dura como pedra. Ele é a personificação da resistência da floresta contra a exploração desmedida.

Curupira, Matinta, Iara, Mapinguari, Saci, Boitatá... a lista é longa e gloriosa. Esta não é uma coleção de contos de fadas para crianças. É um panteão vivo, um sistema de crenças que codifica, há séculos, os perigos reais da selva, a ética do convívio com a natureza e os mistérios que a ciência ainda não consegue explicar.

Então, neste 31 de outubro, enquanto as crianças brincam de "doces ou travessuras", que tal contarmos a elas a história do protetor das árvores que tem os pés ao contrário? Que tal sussurrarmos sobre o assobio na noite escura que pode ser um aviso?

Vamos vestir nossas crianças de Curupira, de Iara. Vamos celebrar o verdadeiro folclore do susto, aquele que não vem embalado para exportação, mas que brota da terra úmida, que sussurra nas folhagens e que habita o imaginário do nosso povo.

O Halloween é divertido, sim. Mas aqui, temos algo muito mais profundo: temos o terror sagrado de ser brasileiro. E isso, nenhuma abóbora importada pode substituir. É a nossa herança. É a nossa assombração. E é linda.

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